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O Modernismo no Brasil - 3ª geração

João Cabral de Melo Neto (1920-1999) é o principal poeta surgido no período da Geração de 45.

Contexto
O ano de 1945, que assinala o início da terceira fase do Modernismo, é dos mais marcantes da história da humanidade. Nessa data, com as explosões atômicas nas cidades japonesas de Hiroshima e Nagasáki, terminava a Segunda Guerra Mundial e começava um período de reestruturação geográfica, política e econômica que dividiu o mundo em blocos capitalistas, sob a liderança dos Estados Unidos, e comunistas, guiados pela ex-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Essa divisão, da qual o muro de Berlim foi o maior símbolo, conduziu os rumos das políticas e economias mundiais até o final dos anos de 1980. O medo de novos ataques nucleares alimentou a chamada "guerra fria", que opôs países capitalistas e comunistas ao longo das décadas seguintes.

No Brasil, 1945 é o ano da queda de Getúlio Vargas - que voltaria ao poder, pelo voto popular, em 1950, onde permaneceu até suicidar-se, em 1954. No plano literário, 1945 é o ano da morte de Mário de Andrade (1893-1945), principal figura do Modernismo, e da publicação de O Engenheiro, livro de João Cabral de Melo Neto (1920-1999) que apresenta características inovadoras do fazer poético. Cabral fez parte da chamada "geração de 45", grupo de poetas que propôs, entre outros princípios, a retomada do rigor formal. É também a data do I Congresso Brasileiro de Escritores, que ocorre em São Paulo e atesta a maturidade do sistema literário brasileiro. Surgem novas revistas literárias em todo o país, dentre as quais se destacam a paulista Clima, para a qual escrevem os críticos Antonio Candido e Décio de Almeida Prado, a cearense Clã, a carioca Orfeu, a curitibana Joaquim, a mineira Edifício. Nas revistas e jornais, a crônica vive fase brilhante. Rubem Braga (1913-1990) e novos escritores mineiros, como Paulo Mendes Campos (1922-1991) e Fernando Sabino (1923-2004) renovam o gênero, exercitado pelos grandes prosadores e poetas do período.

O país vivia uma época de democratização política e de desenvolvimento econômico, que se tornou intenso durante o governo de Juscelino Kubitschek (1956-1960), cuja propaganda oficial prometia um avanço histórico de "cinqüenta anos em cinco". Os Planos de Metas de Juscelino para a modernização do país resultaram em impressionante crescimento industrial, que aumentou os empregos e a renda dos brasileiros. O desenvolvimento, as grandes realizações, como a construção de Brasília, e a estabilidade política contribuíram para criar a atmosfera de otimismo dos chamados "anos dourados".

A indústria editorial foi bastante beneficiada pelo desenvolvimentismo de JK. Uma série de medidas, entre elas a isenção de impostos sobre o livro e a criação de subsídios para a indústria de papel nacional, levou a um expressivo crescimento do setor editorial, que em 1962 chegou a produzir 66 milhões de livros. Os principais editores do período, José Olympio (1902-1990) e José de Barros Martins, continuaram a editar autores nacionais, alguns dos quais, como Jorge Amado, tiveram obras vendidas em larga escala.

Nas cidades, que cresciam em ritmo acelerado, os telefones se tornavam mais comuns e os televisores começavam a se fazer presentes. Os automóveis, símbolos do governo JK, tomavam as ruas e competiam com os ônibus. Os produtos norte-americanos, importados ou produzidos pelas multinacionais que chegavam ao país, modificavam o cotidiano: Coca-Cola, eletrodomésticos e chicletes passaram a fazer parte da vida das pessoas, assim como o rockn?roll e outros elementos culturais que caracterizavam o "american way of life", cada vez mais admirado pelos brasileiros.

Para muitos setores da sociedade, essa "invasão americana" não era nada positiva, e as críticas ao modelo econômico de Juscelino, que procurara atrair capitais estrangeiros, foram se intensificando. Em 1960 Jânio Quadros foi eleito presidente da República, o primeiro a tomar posse em Brasília, recém-inaugurada. Mas seu governo durou menos de sete meses: em agosto de 1961 ele pediu a renúncia, lançando o país em uma grave crise política, que terminaria por levar ao golpe militar de 1964. Durante esses primeiros anos da década de 1960, a insatisfação popular com o modelo econômico aumentou, e intensificaram-se os movimentos reinvidicatórios. As Ligas Camponesas, no Nordeste, as organizações operárias e sindicais, no Sudeste, e até mesmo alas da Igreja Católica se mobilizaram por mudanças sociais.

Os estudantes, principalmente os universitários, se tornaram cada vez mais participantes do jogo político. O ensino superior crescera, com a criação das Universidades Federais, e nas faculdades o ambiente era de questionamento do regime e da ideologia dirigente, de criação de novos projetos econômicos e políticos, de crença num ideal revolucionário que transformasse a realidade nacional. Essa efervescência intelectual e contestadora, aliada à enorme valorização da cultura brasileira, resultou, no campo artístico, na criação do Teatro de Arena e do Centro Popular de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes - UNE, entre outros movimentos.

O CPC da UNE organizou e publicou, em 1962, a antologia Violão de Rua, que traz novas propostas poéticas e encerra, para a historiografia literária, a terceira fase do Modernismo. Mas apenas para a historiografia, já que poetas da Geração de 45 continuaram produzindo, assim como os concretistas, ambos os grupos convivendo com os novos autores que surgem nos anos de 1960. Para a crítica Luciana Stegagno Picchio, apesar das diferentes correntes literárias a que se filiavam seus integrantes, "a nova geração saída da guerra sente o compromisso para com a sociedade e a sua atitude é mais crítica do que inventiva. O intelectual abre-se para a interdisciplinaridade enquanto conjuga em si, como amiúde ocorre, o poeta e o crítico literário, o ficcionista e o sociólogo; vira-se para o diálogo e o exige. E não só isso; recupera do passado remoto e recente ou ainda seleciona da contemporaneidade aquilo que lhe é realmente contemporâneo. (...) Da justaposição de experiências literárias distintas e contraditórias, emerge o significado que tem, para as novas gerações, o termo "moderno", ou melhor, "contemporâneo". Que não está nos conteúdos, mas no modo pelos quais esses conteúdos se enfrentam. Nesse plano, não há mais fratura ideológica entre o poeta concretista que trabalha, aparentemente por puro hedonismo, o seu material lingüístico, o artista pós informal, o poeta folk, o cineasta psicólogo de indivíduos e da sociedade, o crítico estruturalista e o escritor comprometido. Porque todos exercem uma atividade crítica, de denúncia, desmistificatória, sobre o material que examinam: seja essa palavra dado histórico, fato social, acontecimento político".

Estilo - características gerais
Os autores que integraram a Geração de 45, entre eles Péricles Eugênio da Silva Ramos (1919-1992), Domingos Carvalho da Silva e Lêdo Ivo (1924- ), são também conhecidos como neomodernistas, e apresentam como traço comum a busca de um maior rigor na elaboração poética. Devido a essa preocupação, foram chamados de "neoparnasianos" por seus opositores. Ainda que retomem certos princípios característicos do Parnasianismo, e mesmo do Simbolismo, todos esses autores se filiam ao movimento modernista - inclusive João Cabral de Melo Neto, que se incluía entre a Geração de 45 mas que, segundo os críticos, não pode ser enquadrado em grupo nenhum, tamanha a originalidade de sua obra.

Para Afrânio Coutinho (1911-2000), "com a geração de 45 a poesia aprofunda a depuração formal, regressando a certas disciplinas quebradas pela revolta de 22, restaurando a dignidade e severidade da linguagem e dos temas, policiando a emoção por um esforço de objetivismo e intelectualismo, e restabelecendo alguns gêneros fixos, como o soneto e a ode". É preciso lembrar, aliás, que essa preocupação com a forma já vinha se apresentando em poetas da geração anterior, como Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) e Jorge de Lima (1893-1953).

Recursos como os poemas-piada, o prosaísmo e a aparente falta de construção haviam sido utilizados pela primeira geração modernista para combater o rigor formal parnasiano. Consolidado o movimento, porém, esses recursos começaram a parecer excessivos para bom número de poetas, que procuraram retomar formas tradicionais, ainda que recriando-as com novos ritmos. Os poemas Cabelos, os Meus Cabelos, de Péricles Eugênio da Silva Ramos, e Soneto Ocasional, de Domingos Carvalho da Silva, são exemplares dessa retomada do apuro formal. Outros traços formais relevantes seriam a busca da precisão da linguagem, a contenção emocional, a tendência estetizante e o estudo das teorias poéticas.

No campo temático, os autores da Geração de 45 manifestaram preferência pela poesia existencial e social. O poema Com a Poesia no Cais, de Domingos Carvalho da Silva, ilustra o compromisso social e a postura crítica diante da realidade que caracterizam os autores do período, e que alcançam alto grau de expressividade em Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto.

Autores
João Cabral de Melo Neto (1920-1999) é o principal poeta surgido no período da Geração de 45, e figura entre os maiores poetas da língua portuguesa. Destacam-se também, nessa geração, os poetas Péricles Eugênio da Silva Ramos, Domingos Carvalho da Silva e Lêdo Ivo.

Segundo Antonio Candido, ainda que seja geralmente incluído no conjunto da Geração de 45, João Cabral de Melo Neto "distingue-se dele todavia sob muitos aspectos". Para o crítico, "é visível nas suas fases iniciais certa marca de Murilo Mendes (1901-1975) e sobretudo Carlos Drummond de Andrade, sem prejuízo de uma forte originalidade, que foi-se acentuando até fazer de sua poesia um inconfundível monumento de radicalidade poética, onde a força da mensagem é função exata do rigor da construção, que experimenta com as sonoridades mais secas da palavra, mediante um ânimo combinatório de que resultam figuras verbais com alto poder de sugestão."

Domingos Carvalho da Silva, para o crítico Adolfo Casais Monteiro, é "um poeta que, pela diversidade das formas reveladas ao longo da sua já extensa produção, pela larga escala de interesses que a sua poesia revela, não pode ser situada num grupo delimitado; as suas tendências impõem-nos reconhecer, pelo contrário, representar ele melhor o homem de hoje do que qualquer 'escola'.".

A respeito de Lêdo Ivo, afirmou o crítico Antônio Carlos Villaça (1928-2005): "é o mais prolífico e versátil da sua geração, que é a geração de 45. E concebe o poema à maneira de Valéry: 'o poema - esta hesitação prolongada entre o som e o sentido'. A geração de 45 começou exatamente com 'As Imaginações', de Lêdo, 'O Engenheiro', de João Cabral, 'Mundo Submerso', de Bueno de Rivera. Há, em Lêdo, como em toda a sua geração, a tendência de voltar a uma disciplina poética."

Sobre a obra de Péricles Eugênio da Silva Ramos, o poeta Cassiano Ricardo (1895-1974) escreveu: "o vosso lirismo é grave, comedido, filtrado; o humano que praticais, também. Ambos presos a uma linhagem visceralmente imagística, que é, em Lamentação Floral, o vosso traço mais forte e caracterizador. Amais a realidade, retratada pela imagem. Não a realidade em bruto, em sua 'stupidité'. Mas recriada, ou mesmo criada pela imaginação visual, na oficina mágica do labor e da beleza. Seria mesmo interessante um paralelo entre os dois poetas mais 'formais' aparecidos na terceira fase do Modernismo: Cabral e Péricles".

Fonte: Itaú Cultural

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