Novas drogas causam alucinações, canibalismo e podem levar à morte

Debaixo de um viaduto, em plena luz do dia, um homem se aproxima de um morador de rua idoso que cochila depois do almoço. Com movimentos rápidos, morde, mastiga e devora os olhos, bochecha, nariz e boca da vítima. Para evitar que a presa se defenda, o rapaz esmurra seu peito e lhe quebra uma costela.

O que parece ser o ataque de um canibal em um filme aconteceu de verdade em Miami (EUA), em 2012, e foi fruto da reação à ingestão do cloud nine, uma das drogas que vêm se popularizando no Brasil e preocupando médicos e familiares de jovens que ainda constituem a parcela mais expressiva de usuários em todo o mundo.

Os nomes dos entorpecentes da moda lembram itens do catálogo de uma loja esotérica — sais de banho, incenso do mal, pandora, spice, citron. E, embora divirjam nas formulações e ação alucinógena, em um aspecto eles são muito parecidos: os efeitos devastadores no organismo.


O comportamento canibal de Rudy Eugene, por exemplo, que mastigou vivo Ronal Poppo nos Estados Unidos, é típico das catinonas sintéticas, derivados da anfetamina produzidos junto com uma planta chamada khat, nativa da África oriental.

Quem usa esse tipo de droga — que tem apresentação em forma de cristais (daí os tais sais de banho que batizam a maioria dos modelos vendidos no Brasil) ou pó similar à cocaína — sente, em um primeiro momento, um aumento considerável na libido e na sociabilidade. No entanto, poucos minutos depois, já é invadido por um quadro de agressividade incontrolável, acompanhado de psicose grave que gera alucinações severas, como no caso do ataque americano.

Para a psiquiatra Fernanda de Paula Ramos, especialista em dependência química, a psicose é o traço mais perigoso da droga, que é vendida na internet em sites estrangeiros por preços que variam entre R$ 250 a R$ 650 o saquinho com 4g.

— As catinonas também são vendidas como sais de banho, fertilizantes ou repelentes de inseto, numa tentativa de mostrar que são inofensivas e que têm outra finalidade. As mais comuns são a mefredona, a metilona e o MDPV, todas proibidas no Brasil desde 2012. Podem ser cheiradas, usadas via oral ou injetadas, e não são detectáveis na urina. Por isso, os pacientes chegam à emergência e nós, médicos, não temos como ter ideia de que usaram isso, a menos que eles nos digam.

Vendidos como parentes industrializados da maconha, os canabinoides sintéticos constituem outra categoria também capaz de arrasar corpo e mente dos usuários. Causam, entre outros sintomas, quadros de infarto, AVC, danos renais, crises de pânico, psicose e até mesmo a morte.

— Temos relatos de colegas que trabalham em pronto-socorro que dão conta de que houve um aumento de 30% nos atendimentos em relação ao que acontecia apenas com a maconha. Trata-se de uma designer drug, que tem como única finalidade “dar barato”, ser uma droga de abuso. Também é vendida na internet, e traz no rótulo a informação de que não é própria para consumo humano, a fim de burlar fiscalização.

Ficou famoso no mundo todo o caso de Connor Reid Eckhardt, um jovem americano de 19 anos que morreu em junho de 2014 depois de dar uma única tragada em um cigarro feito de maconha sintética. Nos Estados Unidos, a droga é vendida livremente como incenso em lojas de conveniência, e custa cerca de R$ 40.

Ao chegar já em coma ao serviço de emergência, Eckhardt confundiu os médicos, que não conseguiram fechar um diagnóstico baseados apenas nos sintomas. A solução do caso veio porque um pacote de spice — nome mais comum da droga — foi encontrado no bolso do rapaz. Por causa do inchaço no cérebro causado pelo uso da substância, o jovem teve a morte cerebral decretada ainda no mesmo dia.

De acordo com Fernanda, 91,3% dos usuários de canabinoides sintéticos também fazem uso da maconha. A psiquiatra conta que os primeiros dados sobre a existência do spice são de 2004, e que até 2014 já havia o registro de novos 134 canabinoides sintéticos — desses, 101 criados só no ano passado.

— Os fabricantes mudam um átomo, uma única molécula da composição, e aí, com isso, a substância não consta mais na lista de proibidas. Há histórias de carregamentos da droga apreendidos, mas em que nada pôde ser feito.

Embora a causa da morte do estudante Victor Hugo dos Santos tenha sido afogamento, a sequência dos fatos que levaram ao óbito no famoso caso teve como estopim o consumo de outra droga famosa entre os jovens, o NBOMe.

Victor Hugo tinha ido a uma festa na USP (Universidade de São Paulo) em 20 de setembro de 2013, e desapareceu durante o evento. Depois de três dias, seu corpo foi encontrado boiando na raia olímpica da universidade, e, na autópsia, foi identificado o uso do entorpecente. 

Alucinógeno potente, descrito muitas vezes como um LSD sintético, o NBOMe gera desde uma leve confusão até mesmo a morte. De acordo com o psiquiatra Leonardo Paim, uma estimativa global recente feita via internet apontou que 11% dos frequentadores de casas noturnas conheciam a droga.

— Ele causa formigamento primeiro na língua e depois no corpo inteiro, tremores, aumento da atividade psicomotora, sintomas alucinatórios clássicos dos psicodélicos, alucinação auditiva e visual e distorção do tempo.

Embora os números de usuários ainda sejam vistos como pouco expressivos, Fernanda reforça um dado preocupante, que pode apontar o rumo do consumo das drogas da moda no Brasil e no mundo.

— As pessoas podem não lembrar, mas, quando o crack surgiu, apenas 1% da população fazia uso da substância. Hoje, como se sabe, a situação é bem diferente.

Fonte: R7

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