O impeachment da presidenta Dilma Rousseff foi confirmado pelo Senado nesta quinta-feira, abrindo caminho para a chegada do vice-presidente, Michel Temer (PMDB), seu ex-aliado por cinco anos e que rompeu com o Governo em março. Temer assume o poder com baixa popularidade (apenas 8% dos brasileiros reconhecem sua autoridade, segundo pesquisa recente do Ibope) e tem de organizar um país em convulsão após um processo de impedimento que se arrastou por quatro meses.
Com dois anos e meio de Governo pela frente, o novo presidente herda graves problemas econômicos que não foram solucionados na administração do PT. Entre eles, uma crescente dívida pública, uma recessão grave que deixou 2 milhões de pessoas sem emprego no último ano e uma inflação de 9,28%, acima da meta estabelecida pelo Banco Central (6,5%).
Temer também se vê diante do mesmo problema de todo o continente: as commodities estão em baixa e seu principal comprador, a China, cresce moderadamente. Isso afeta a demanda de produtos primários, como a soja, o minério e o petróleo, que figuram entre as principais exportações do Brasil.
O desafio do novo mandatário é encontrar o ponto de equilíbrio para reduzir os gastos públicos e, ao mesmo tempo, aumentar a arrecadação do Governo. Para isso, será necessário aprovar junto ao Congresso medidas impopulares que ajudem a recuperar as contas públicas, ante a previsão de um déficit de quase 2% do Produto Interno Bruto (PIB) este ano.
Para enfrentar os desafios, Temer já preparou um plano econômico e tem nomes estratégicos para implantá-lo. Seu ministro da Fazenda será Henrique Meirelles, que foi presidente do Banco Central por oito anos durante os dois Governos de Lula (2003-2010). O nome de Meirelles é festejado pelo mercado financeiro, que o considera uma pessoa capaz de lidar com os graves problemas econômicos deixados com a saída de Dilma.
O EL PAÍS consultou especialistas sobre quais serão as maiores dificuldades que Temer deve enfrentar ao assumir a Presidência.
1- Reforma da Previdência Social
Para equilibrar as contas públicas, o Brasil precisa fazer reformas como as que os países europeus promoveram na crise de 2009. Uma política de austeridade que exigirá cortes de gastos e aumento dos impostos. Os especialistas consultados pelo EL PAÍS concordam que, para reduzir o gasto público e recuperar o dinamismo da economia brasileira – atualmente paralisada na maior recessão dos últimos anos –, uma das principais saídas será apostar na reforma da Previdência Social, que representa 12% do PIB. Hoje os brasileiros podem se aposentar com a idade mínima de 55 anos.
Desde o início do Governo de Rousseff discute-se aumentar essa média para 63 anos (60 mulher e 65 anos os homens, ou igualar a idade). “O mais urgente é fixar uma idade mínima para a aposentadoria para reduzir gastos”, explica Mansueto Almeida, especialista em contas públicas.
2- Reduzir a dívida pública
A dívida bruta do país já supera os 70% do PIB, o maior da América Latina, e que cresceu principalmente nos anos do Governo de Rousseff. Diante desse panorama, o ideal seria uma forte redução do gasto público em longo prazo e um limite legal para novos gastos. “Se o Brasil mantiver a trajetória atual de compromissos, o Governo não terá como pagar sua dívida dentro de cinco anos”, explica Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal. Essa realidade compromete, por exemplo, o Plano Nacional de Educação, que pretende aumentar o gasto atual em educação de 6% do PIB para 10%.
3- Aumentar impostos
Temer terá que aumentar a arrecadação para poder fazer frente aos gastos e traçar a recuperação da dívida pública. O Governo de Temer tem um plano econômico, batizado de “Uma ponte para o futuro”, em que afirma que “qualquer ajuste em longo prazo deveria, em princípio, evitar um aumento de imposto”. Esse desejo, no entanto, é impossível, segundo os especialistas. “Poderia subir por um tempo um imposto criado para garantir recursos para saúde e seguridade social, e baixá-lo de modo decrescente, todos os anos. Mas, evidentemente, não se pode ficar limitado aos impostos, há que fazer reformas estruturais”, explica Mansueto Almeida.
4- Taxa de desemprego de dois dígitos
O desemprego no Brasil alcançou o maior índice dos últimos anos e chegou a 10,9% no primeiro trimestre deste ano. Atualmente há 11,1 milhões de trabalhadores desempregados no país, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em um ano, o número de pessoas que procuram emprego subiu 3,2 milhões. Caberá a Michel Temer reforçar a necessidade de implantar reformas trabalhistas, como os contratos de trabalho flexíveis, para retomar o crescimento e, consequentemente, reduzir o desemprego.
5- Protestos de rua e o PT na oposição
Uma vez que esteja fora do Governo, o Partido dos Trabalhadores passará à oposição e voltará a suas origens, que é ao lado dos sindicatos e dos movimentos sociais. Com as perdas de benefícios, esperam-se manifestações nas ruas contra o novo presidente que ainda é mal visto porque teria abandonado Rousseff para facilitar o impeachment, e assim assumir o poder sem passar pelas eleições.
6- Agenda social
Nos 13 anos do PT no poder, foram criados vários programas sociais para os mais pobres, como o famoso Bolsa Família, que atende 45 milhões de brasileiros (25% da população do país) com uma ajuda equivalente a 19 euros (76 reais) mensais, o suficiente para que uma pessoa possa ter algo para comer. Michel Temer nega a intenção de acabar com os programas sociais, mas já deixou claro que pretende preservar e melhorar a ajuda aos “5% mais pobres”, segundo um documentos que trata da agenda social de seu Governo. O novo presidente promete ainda manter os programas de moradia subsidiada e os de ajuda ao ensino técnico, mas não se sabe se serão reformados ou reduzidos.
7- Apoio no Congresso
O vice-presidente Michel Temer precisa garantir o apoio do Congresso Nacional para aprovar as medidas de ajustes fiscais. “No Brasil é preciso um mínimo de liderança para conseguir negociar com os 25 partidos que estão ali representados no Congresso”, explica Sérgio Valle, da consultoria MB Associados. Diferentemente de Rousseff, Temer foi três vezes presidente da Câmara dos Deputados e tem em seu favor, segundo os especialistas, uma maior facilidade para dialogar e negociar.
No entanto, com a suspensão do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB) na semana passada, fica claro que a instabilidade continuará pelo menos no início do Governo Temer. Cunha foi sucedido por Waldir Maranhão, um político inexpressivo do conservador Partido Progressista, que armou uma confusão na segunda-feira passada, dia 9 de maio, quando suspendeu o processo de impeachment da presidenta. Maranhão anulou as sessões da Câmara que tinham admitido a destituição em plenário, por estar em desacordo com a forma como o processo foi conduzido.
Voltou atrás poucas horas depois e revogou sua própria decisão. Temer terá de contornar o novo presidente da Câmara, ou fazer alianças para garantir outro líder alinhado com seus projetos.
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