terça-feira, 4 de maio de 2010

Revolução Praieira


Origens do movimento – Assim como as revoluções de 1848 na Europa representaram o encerramento de um ciclo revolucionário iniciado em 1789 com a Revolução Francesa, a Praieira, em Pernambuco, correspondeu à última etapa das agitações políticas e sociais iniciadas com a emancipação.

Pernambuco era, no século XIX, a mais importante província do nordeste, graças ainda ao açúcar, e seus políticos gozavam de grande influência no Rio de janeiro.

Entretanto, a concentração fundiária em Pernambuco era tal, que um terço dos engenhos era propriedade de uma única família: a dos Cavalcanti. Desse modo, a totalidade dos pernambucanos dependia direta ou indiretamente de um punhado de famílias que conduzia a sociedade tendo em vista exclusivamente os seus interesses. Dada a importância de Pernambuco desde a época colonial, ali se concentrava um numeroso grupo de comerciantes, na maioria portugueses, que monopolizavam as trocas mercantis.

A concentração da propriedade fundiária e a monopolização do comércio pelos portugueses foram os fatores de permanente insatisfação das camadas populares em Pernambuco.

Surge o Partido da Praia. Como em outras partes do Brasil, em Pernambuco existiam dois partidos: o Liberal e o Conservador. Os Cavalcanti dominavam o Partido Liberal e os Rego Barros, o Conservador. Apesar de pertencerem a partidos diferentes, essas duas famílias costumavam fazer acordos políticos com muita facilidade.

Assim, Francisco de Paula Cavalcanti tornou-se presidente da província em 1837, através de um acordo com os Rego Barros. Em 1840, foi a vez de Francisco Rego Barros (barão da Boa Vista) assumir a presidência da província.

Porém, em 1842, membros do Partido Liberal se rebelaram e fundaram o Partido Nacional de Pernambuco - que seria conhecido como Partido da Praia. Esses inconformados pertenciam a famílias que haviam feito fortuna em época recente, ao longo da primeira metade do século XIX, e tinham como eleitores senhores de engenho, lavradores, comerciantes e bacharéis. Eles deixaram claro o motivo de sua atitude: acusavam o presidente da província Rego Barros de distribuir os melhores cargos administrativos somente entre os membros do Partido Conservador e a cúpula do Partido Liberal, isto é, os Cavalcanti e seus aliados mais próximos. E, segundo os praieiros, faziam o mesmo com os contratos de obras públicas, inúteis e dispendiosas.

Em suma, o Partido da Praia se formou como protesto pela exclusão dos benefícios do poder.

Mas havia razões mais profundas para essa dissidência. A Inglaterra fazia enormes pressões pela extinção do tráfico, cujo efeito imediato foi a crescente escassez de escravos e a elevação de seu preço. Para as poderosas famílias ligadas aos Rego Barros e Cavalcanti não havia problemas. O contrabando de escravos acobertado pelas autoridades policiais era garantia de suprimento permanente e a baixo custo para aquelas famílias. Quanto aos demais, eram obrigados a pagar o preço de mercado para obter os escravos de que necessitavam. E isso também foi denunciado pelos praieiros.

As denúncias eram reveladas pelos jornais, de modo que a luta política desenrolava-se através da imprensa: do lado dos conservadores, também chamados de "gabirus" (“gabiru” é o nome de um tipo de rato que, em sentido figurado, significava “ladrão”), estava o Diário de Pernambuco e, do lado dos praieiros, o Diário Novo, impresso na Tipografia Imparcial, que ficava na rua da Praia (daí o nome do partido). O duelo jornalístico durou, basicamente, até 1844, embora os conflitos políticos começassem a se tornar violentos de lado a lado.

Ascensão e queda do Partido da Praia - O Partido da Praia começou a crescer a partir de 1844, quando conseguiu eleger uma boa bancada de deputados para a Assembléia Legislativa provincial. No mesmo ano foi ainda beneficiado com a ascensão de um ministério liberal e, particularmente, com a nomeação de Antônio Pinto Chichorro da Gama, um aliado dos praieiros, à presidência da província de Pernambuco. Com o apoio de Chichorro da Gama, o Partido da Praia finalmente chegou ao poder, desalojando os conservadores do clã Rego Barros.

Uma vez instalados no governo, os praieiros adotaram os mesmos métodos dos gabirus ou conservadores. Demitiram em massa os funcionários da administração e da polícia em toda a província, que haviam sido nomeados pelos conservadores, substituindo-os pelos seus correligionários. O resultado imediato dessa política imprudente foi desastroso: os praieiros criaram um caos administrativo.

Para fazer face aos gastos com funcionários públicos, policiamento e obras públicas, Chichorro da Gama aumentou os impostos, o que veio a encarecer os alimentos. A elevação dos preços deu origem a uma crescente insatisfação entre as camadas populares, que, no entanto, puseram a culpa nos comerciantes portugueses. Em 1847 e 1848, eclodiram revoltas populares que resultaram na depredação dos estabelecimentos de portugueses. Particularmente graves foram os distúrbios ocorridos nos dias 26 e 27 de junho de 1848, em que vários portugueses foram mortos e dezenas deles, feridos.

Os praieiros utilizaram com habilidade o intenso sentimento antilusitano ao aceitarem, na Assembléia Provincial, a petição que exigia a nacionalização do comércio a retalho e a expulsão dos portugueses solteiros.

Nada disso, entretanto, amenizou o fracasso da administração praieira, que não conseguiu colocar as finanças em ordem. A tentativa de consolidar o próprio poder, elegendo seus candidatos ao Senado, também fracassou devido à anulação do pleito, graças à interferência dos gabirus, que possuíam grande influência no poder central do Rio de Janeiro. Por fim, a descoberta de inúmeras irregularidades em junho de 1848 desmoralizou a administração praieira.

O presidente da província, Chichorro da Gama, havia deixado o cargo no início de 1848, assumindo em seu lugar o vice Manuel de Sousa Teixeira. O novo presidente, de inclinação moderada, começou a afastar os praieiros da administração, criando uma situação explosiva.

A Revolta - Praieiros contra gabirus. O conflito armado entre praieiros e gabirus teve início um ano antes da ascensão de Manuel de Sousa Teixeira, em 1847. Nesse ano os praieiros venceram a eleição para o Senado. Contrariando esse resultado, levantou-se o poderoso senhor de engenho e coronel da Guarda Nacional, José Pedroso Veloso da Silveira. Reunindo em seu engenho de Lages os principais chefes gabirus, Veloso da Silveira comandou um movimento apoiado em armas contra os resultados eleitorais e disposto a tudo para impedir a posse dos senadores praieiros. Pressionado por essa sedição ou revolta, o Senado decidiu anular as eleições, pondo fim à revolta dos gabirus, mas dando aos praieiros um forte pretexto para começar a sua rebelião.

Sem aliados de peso na Corte, os praieiros se enfraqueceram ainda mais com o fim do domínio liberal no poder central do Rio de Janeiro e a ascensão dos conservadores sob a liderança de Pedro de Araújo Lima.

Tendo entre os seus principais lideres os membros da aristocracia rural pernambucana, o Partido da Praia não era propriamente radical ou revolucionário. Mas, diante de seus poderosos inimigos políticos, os praieiros aliaram-se aos lideres mais radicais, como o jornalista Antônio Borges da Fonseca. A ele se deveu a redação do Manifesto ao Mundo, lançado em 1° de janeiro de 1849, no qual as principais exigências eram: “1 ° - Voto livre e universal do povo brasileiro; 2° - Plena liberdade de comunicar os pensamentos pela imprensa; 3° - Trabalho como garantia de vida para o cidadão brasileiro; 4° - Comércio a retalhos para os cidadãos brasileiros; 5° - Inteira e efetiva independência dos poderes constituídos; 6° - Extinção do poder moderador e do direito de agraciar; 7° - Elemento federal na nova organização; 8° - Completa reforma do poder judicial de modo a assegurar as garantias individuais dos cidadãos; 9° - Extinção do juro convencional; 10° - Extinção do atual sistema de recrutamento”.

Nesse manifesto, sem dúvida radical, ouve­se o eco das revoluções de 1848, particularmente no trecho em que se refere ao "trabalho como garantia de vida para o cidadão brasileiro", que era uma reivindicação dos socialistas.

Embora o manifesto fosse assinado pelos praieiros, a sua rebelião tinha um sentido mais ' limitado e bem menos radical: toda a luta resumia-se em contestar a aristocracia rural tradicional, que monopolizava o poder tanto em Pernambuco como no Rio de Janeiro. Os praieiros, na realidade, eram contra apenas os obstáculos colocados por aquela aristocracia à sua plena participação no poder.

Sintomaticamente, o levante armado teve início com as demissões dos praieiros. Estes recusaram-se a deixar os cargos e resistiram de armas na mão, mas sem comando unificado. As suas bases eram os engenhos, onde se recrutavam os combatentes entre os dependentes dos senhores. Também foram contratados combatentes no Recife, em troca de pagamento.

Até o final do ano de 1848, a rebelião praieira não passava de conflitos isolados, sobretudo no interior, com ataques a vilas para intimidar os opositores ou então aos engenhos inimigos para recolher alimentos, munições e animais de carga.

Mesmo assim, a rebelião praieira havia atingido dimensões suficientemente graves em dezembro de 1848 para que o próprio Estado imperial tomasse a iniciativa de intervir. Contra os praieiros foi enviado o coronel José Joaquim Coelho, um militar experiente, com uma tropa desvinculada dos interesses locais.

Com essa intervenção imperial, os praieiros foram obrigados a concentrar as suas forças para resistir. Porém, as suas dificuldades foram aumentando com o corte dos suprimentos de armas e munições, graças à eficiente ação de vigilância da polícia, que impediu que tais suprimentos chegassem às mãos dos rebeldes.

Contando com aproximadamente 1500 combatentes divididos em duas colunas, os praieiros decidiram atacar o Recife. No confronto com as tropas governistas, os praieiros perderam 500 homens: 200 foram mortos em combate e 300 foram aprisionados. Com a derrota, as forças praieiros se dispersaram. O governo propôs então a anistia para pôr fim rapidamente à revolta. A oferta não foi aceita pelo senhor de engenho Pedro Ivo e pelo jornalista Borges da Fonseca, que continuaram na luta. Borges foi derrotado em março de 1849 e Pedro Ivo resistiu até 1850, quando então foi obrigado a dispersar os índios e caboclos que, contratados por ele, lutavam sob suas ordens.

Enquanto isso, alguns praieiros fugiram para o exterior e, dos lideres aprisionados, dez foram condenados à prisão perpétua, mas anistiados em 28 de novembro de 1851.


Repercussões das Revoluções de 1848 em Pernambuco


Liberalismo e democracia. No movimento de emancipação do Brasil, a distinção entre liberalismo e democracia foi se estabelecendo gradualmente. Da chamada Revolução de 1817 no nordeste, passando pela Confederação do Equador (1824) no Primeiro Reinado até as Rebeliões Regenciais, o liberalismo das camadas dominantes e as aspirações democráticas dos setores ligados às camadas populares encontravam-se freqüentemente misturados. A Praieira, nesse sentido, não foi uma exceção. Porém, ocorrendo esta última no momento em que eclodiam na Europa as revoluções de 1848, algumas de suas idéias repercutiram em Pernambuco, convulsionado pela Praieira. Devemos separar entretanto, com muito cuidado, a Praieira do socialismo, como recomendam as pesquisas mais recentes sobre o assunto.

De fato, rebeliões armadas não foram excepcionais no Brasil do século XIX. Porém, o que caracterizou o movimento praieiro foi o confronto armado entre grupos da própria camada dominante dos senhores de engenho da mesma província. A participação popular esteve limitada ao recrutamento efetuado pelos rebeldes e sob seu direto controle, tanto do lado praieiro quanto do lado gabiru. Portanto, as pessoas mais simples do povo não tiveram a oportunidade de atuar autonomamente. Ao contrário, o poder excepcional dos grandes senhores de engenho, que sozinhos controlavam a quase totalidade da economia pernambucana, teve um peso decisivo para manter as coisas dentro de limites adequados aos seus interesses. A Praieira não foi, portanto, um movimento revolucionário.

Mas o conflito foi suficientemente grave para alarmar o poder central, principalmente tendo em conta a onda revolucionária que aba­lava a Europa em 1848. Paula Sousa, chefe do gabinete liberal que estava no poder desde 1844, associou as duas coisas em julho de 1848 ao dizer o seguinte: "Pede que se note que a posição atual da Europa tem dois caracteres - político e social; e não poderemos nós temer a repercussão com caráter social? Estes boatos, que há dias aparecem no Brasil, não devem despertar nossos receios?". O pernambucano Joaquim Nabuco, na época, referindo-se à Praieira, foi direto ao assunto: "A política complicava-se com o fermento socialista" .

Esse temor de passar das rebeliões políticas para as revoluções sociais tinha então o significado de saltar do liberalismo para a democracia. E era exatamente o que as camadas dominantes brasileiras pretendiam a todo custo evitar.

As propostas vencidas - A rebelião praieira foi o último movimento liberal a defender o modelo descentralizado de poder. Havia outras propostas, mais radicais, representadas por Borges da Fonseca e pelo jornalista e professor Antônio Pedro de Figueiredo.

Borges da Fonseca, fundador do jornal O Repúblico, era um dos defensores da democracia e, como tal, tinha preocupações sociais. Para ele era necessário combater a pobreza, oferecer garantias de trabalho, adotar o sufrágio universal e o regime republicano.

Antônio Pedro de Figueiredo, embora aceita­se o modelo agroexportador e a centralização política, também saiu em defesa da população livre empobrecida. Tinha em mente uma reforma agrária baseada num imposto territorial aplicado às terras improdutivas e sonhava com um país de pequenos e médios proprietários rurais.

Ambos os projetos - de Borges e de Figueiredo - não foram incorporados pelos praieiros, que não eram propriamente democratas. Apesar da ligeira diferença entre os pensamentos de Borges e Figueiredo, foi este último que melhor compreendeu o sentido das revoluções de 1848 em seus escritos na revista Progresso. Ao contrário de Paula Sousa, Antônio Pedro de Figueiredo referiu-se com certa simpatia às agitações revolucionárias européias. Vejamos qual era a sua interpretação: "No número precedente dissemos que a questão que se ventilava em França era mais social que política - era a luta entre o capital e o trabalho: entre uma minoria de privilegiados e a imensa maioria da nação. O mundo não será sempre patrimônio de alguns privilegiados; ao passo que a imensa maioria se estorce sob as angústias da miséria. As máximas selvagens de Malthus e J. B. Say já reinaram; e tempo de cederem lugar a outras máximas mais justas e generosas".

Sob todos os pontos, a citação acima permanece atual, o que mostra a agudeza com que Antônio Pedro de Figueiredo compreendeu o socialismo, ao mesmo tempo em que negou, nas figuras de Malthus e de Say, o liberalismo. Figueiredo foi ainda autor de notáveis observações, em tom profético e esperançoso. Referindo-se aos operários socialistas de Paris, logo após a derrubada de Luís Filipe I e a formação do governo provisório da Segunda República francesa, Antônio Pedro de Figueiredo escreveu: “Nem se deve deduzir do que fica exposto (...) que os insurgentes de junho [referência aos operários], e nós também, pretendemos revolver totalmente a sociedade para reorganizá-la; bem sabemos que estas revoluções radicais são obra do tempo, e apenas meia dúzia de exaltados podem conceber a esperança de realizá-las imediatamente; mas o que pretendiam os revolucionários de junho, o que nós também pretendemos, é que o governo, como representante da sociedade inteira, intervenha nos fenômenos de produção, distribuição e consumo, para regulá-los e substituir pouco a pouco uma ordem fraternal à desgraça do estado de guerra que ora reina nestas importantes manifestações da atividade humana. Os nossos votos hão de ser realizados”.

A sintonia de Figueiredo com os socialistas franceses era perfeita. Até o detalhe de confiar na boa-fé dos governantes, esperando deles uma benéfica interferência na economia favorável às camadas populares.

A situação do Brasil, entretanto, era mais complicada e não tinha sentido falar em "máximas mais justas e generosas" num país escravista. Certamente, a circulação de idéias socialistas era um bom avanço, mas na longa noite da escravidão não passavam de ideais abstratos e irrealizáveis, valendo apenas como esperança de que "hão de ser realizados".

Fonte: Memorial Pernambuco

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