Trabalhador instala painel solar na Alemanha (Foto: Sean Gallup/Getty Images) |
Pense num país quente, onde o sol brilha o ano inteiro e que, um belo dia, dá-se conta de que tem justamente nessa luminosidade uma fonte de energia limpa, inesgotável e cada vez mais barata. Mesmo possuindo grandes reservas de petróleo, esse país resolve apostar pesado na energia solar, que ignorou solenemente durante anos. Já adivinhou que país é esse? Isso mesmo: bem-vindo à Arábia Saudita.
Sim, a Arábia Saudita, o maior exportador mundial de petróleo, símbolo da resistência atávica a qualquer coisa que tenha relação com energias renováveis; sim, a Arábia Saudita, o vilão das conferências do clima da ONU; a petroditadura feudal e retrógrada. Pois essa mesma Arábia Saudita planeja instalar 6 gigawatts de energia solar fotovoltaica nos próximos cinco anos. É o equivalente à potência instalada das duas usinas do rio Madeira. Em 2032, os sauditas planejam ter em seu deserto e em suas casas o equivalente a mais de uma Itaipu em energia solar.
E o Brasil? Temos um território maior e muito mais horas de sol o ano inteiro do que a Arábia Saudita. Nosso potencial de radiação solar equivale a 20 vezes toda a atual capacidade instalada de produção de energia elétrica. No entanto, os planos do governo até agora para essa fonte são modestíssimos: 2 gigawatts instalados até 2023, ou um terço do que os árabes planejam instalar em cinco anos.
É difícil atribuir esse atraso brasileiro a quaisquer outros fatores que não sejam miopia dos planejadores energéticos e preconceito. Este último fator vem de cima para baixo: a própria presidente Dilma Rousseff já se referiu à energia fotovoltaica como “fantasia”, dizendo em 2012 que não era possível iluminar um país somente com sol e vento. A China discorda: nos próximos 15 anos, o gigante terá elevado sua capacidade fotovoltaica para 100 gigawatts, o equivalente a quase dois terços de todo o parque gerador do Brasil.
Neste aspecto, a ex-guerrilheira Dilma tem um pensamento surpreendentemente próximo do dos eletrocratas formados na escola das grandes obras de energia da ditadura. Para essa turma, investir em uma nova tecnologia que custava caro era uma burrice, quando o país tinha tanto potencial hidrelétrico ainda a aproveitar na Amazônia (que grande parte desse potencial esteja em unidades de conservação, terras indígenas e outras áreas sensíveis nunca foi um impeditivo, como não era no tempo dos militares). O resultado disso está todo mês na nossa conta de energia: quando as chuvas faltaram para as hidrelétricas, o governo botou na matriz térmicas a gás, carvão e óleo combustível – mesmo tendo prometido recentemente que o carvão seria banido do Brasil.
O governo brasileiro não foi o único a desprezar a energia solar. Nos EUA, durante a administração de George W. Bush, o lobby fóssil impediu que incentivos fossem dados a energias renováveis para competir com as já estabelecidas e mimadas fontes fósseis. Como resultado, a principal fábrica americana de painéis solares, a First Solar, precisou se mudar para a Alemanha.
A partir de 2008, com a eleição de Barack Obama e um novo foco em fontes renováveis, o cenário começou a clarear para a energia fotovoltaica. A indústria respondeu rapidamente: a capacidade instalada subiu de quase zero em 2006 para 20 gigawatts em 2014 e hoje 36% das novas instalações elétricas nos EUA são dessa fonte; o preço de um painel fotovoltaico caiu 63% somente entre 2010 e 2014, e a indústria solar americana, que antes gerava empregos de qualidade na Alemanha, hoje emprega mais gente nos EUA que a mineração de carvão. Outros países, como a Espanha e a Grécia, também investiram nessa indústria como uma saída para a crise econômica.
No ensolarado Brasil, a primeira medida séria de incentivo à energia fotovoltaica só foi adotada em 2012: uma resolução da Aneel que permite a quem tiver painéis solares em sua casa trocar energia com a rede – e, assim, economizar até 80% da conta de luz por mês, ao produzir a própria eletricidade durante o dia. A resolução, porém, não veio acompanhada de nenhuma outra medida, como uma campanha ou incentivos tributários (dados à indústria automobilística e aos combustíveis fósseis). O resultado é que, quase três anos depois, apenas 409 residências instalaram painéis solares em todo o país. Nos EUA, são 400 mil. A cada três minutos uma nova instalação solar é feita.
Quando enfim a energia solar elétrica foi agraciada com o direito de competir em leilões de energia, em 2014, o governo viu o tamanho da oferta reprimida: foi o leilão mais competitivo da história, com o megawatt vendido a R$ 214. Parece caro? Pois o carvão mineral, que fez seu retorno triunfal à matriz energética brasileira também em 2014, foi leiloado a R$ 206. E isso à custa de um pacote de bondades que incluiu aumento no preço mínimo e isenção de tributos.
Sem o argumento do preço, sobra aos eletrocratas o tigre de papel da intermitência: a energia solar jamais poderá estar na “base” porque não produz à noite. O chamado fator de capacidade da fonte é de cerca de 25%. Pode até ser verdade. Mas esses mesmos planejadores não hesitam em gastar R$ 28 bilhões numa usina hidrelétrica como Belo Monte, que tem fator de capacidade de 42% e que pode chegar ao fim de sua vida útil com metade disso devido ao impacto das mudanças climáticas. Se ganhasse o direito de entrar na matriz em escala americana (ou pelo menos saudita), a energia solar poderia compor com a eólica para poupar os reservatórios das hidrelétricas do Centro-Sul, que formam a nossa “energia firme”. A opção do Palácio do Planalto, porém, parece ser até aqui a de deixar o país sem energia e poluindo mais ao mesmo tempo.
Fonte: Época
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