O Brasil dedica o 19 de abril aos povos originários desde os anos
1940 — a data foi criada por decreto em 1943. Mas se antes era Dia do
Índio, a partir deste ano o nome foi atualizado para Dia dos Povos
Indígenas.
O projeto de alteração na nomenclatura oficial da data havia sido
apresentado em 2019 pela então deputada federal Joenia Wapichana, hoje
presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) — antes
chamada de Fundação Nacional do Índio.
Depois de aprovado no Senado, acabou vetado integralmente pelo então
presidente Jair Bolsonaro. Em sessão conjunta no Congresso Nacional, os
parlamentares derrubaram o veto presidencial e a lei finalmente entrou
em vigor.
Tanto estudiosos do assunto como representantes de povos originários
consideram a mudança positiva, pois o termo "índio" historicamente
acabou assumindo um papel pejorativo. "A palavra 'índio' acabou
perpassando a história e foi colocada na escola como uma data a ser
comemorada com um viés ideológico, como que para convencer as pessoas
que não existiam mais os tais ‘índios', que estavam extintos ou próximos
da extinção. Era uma política de Estado e nas escolas se passava a
figura do índio como alguém ligado ao passado ancestral do Brasil",
comenta o escritor e ativista Daniel Munduruku.
"O correto é sempre chamar o indígena pelo nome. Eu sou Munduruku,
mas sou indígena de origem. Índio é uma palavra vazia de significado,
indígena é uma palavra cheia de significado. Índio não significa nada,
indígena significa originário", acrescenta ele.
História
A data foi instituída na América Latina porque entre 14 e 24 de abril
de 1940 ocorreu no México o Congresso Indigenista Interamericano. Os
representantes de povos indígenas inicialmente decidiram boicotar o
evento, temendo ficarem sem participação ativa. No dia 19, contudo,
compareceram e passaram a integrar as discussões.
"Ali começaram os esforços para a celebrar a cultura e a história dos
povos indígenas", afirma o pedagogo Alberto Terena, ex-coordenador da
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
Participaram do congresso 55 delegações oficiais. O representante
brasileiro foi o médico, antropólogo e etnólogo Edgar Roquette-Pinto
(1884-1954) — ele não era indígena, mas estudava povos originários na
região amazônica. O evento mexicano acabou definindo medidas em defesa
de indígenas e o estabelecimento do "Dia do Aborígene Americano em 19 de
abril". O Brasil foi um dos países que não aderiram inicialmente às
deliberações do congresso — e a data acabaria criada por aqui apenas
três mais tarde.
Outro fruto importante do evento foi a criação do Instituto
Indigenista Interamericano, uma entidade que depois se tornaria órgão
ligada à Organização dos Estados Americanos (OEA).
"O indigenismo [desde então] vem contribuindo muito para o
fortalecimento do direito e da cultura indígena, mas muitas vezes cai no
contraditório, porque falar ‘índio' é falar apenas uma categoria, e
hoje somos mais de 300 povos no Brasil, mais de 200 línguas diferentes. E
com diversas culturas", diz Terena.
"Os colonizadores colocaram o nome de 'índio' nessas populações e
virou uma alcunha, um apelido para todas as pessoas que pertenciam a
povos de origem", diz Munduruku. "Não se falava em diversidade, mas sim
em uma unidade. E essa palavra unificada todas essas culturas, na figura
do 'índio', desse 'índio' genérico."
No Brasil, o termo "índio" para designar os povos originários começou
a ser questionado a partir dos anos 1970, com o surgimento de forma
mais sistemática de um ativismo indígena. Para o historiador André
Figueiredo Rodrigues, professor na Universidade Estadual Paulista
(Unesp), o principal ponto é que a denominação, embora "usada até hoje",
causa "uma impressão errada dos povos originários, como se uma única
palavra designasse um único povo, com uma só cultura e até com o mesmo
tipo físico".
"O nome 'índio esconde centenas de nações independentes, que falavam
ou ainda falam línguas diferentes, muitas delas não-intercomunicantes
entre si”, ressalta ele, lembrando que estimativas demográficas indicam
que quando os portugueses chegaram ao Brasil, em 1500, havia pelo menos 3
milhões de nativos, distribuídos entre mais de 1 mil etnias distintas —
de acordo com o último censo, de 2010, hoje são 897 mil indígenas, de 305 etnias.
O professor Rodrigues enfatiza que o termo "indígena", por significar
"originário" ou "uma pessoa que é nativa de um local específico",
define com "mais exatidão os povos que habitam o nosso país desde antes
da chegada do europeu em terras americanas". "O termo 'índio', hoje,
evidencia uma carga de preconceito e discriminação", afirma.
Aquilo que os une
Embora o termo "povos indígenas" pareça ser o mais consagrado hoje em
dia, ainda é possível dar um passo além. "'‘Indígena' tem sido usado há
bastante tempo, mas considera-se mais correto dizer povos originários
devido ao fato de que formam no seu conjunto a origem deste país
continental", salienta o escritor e ambientalista Kaká Werá.
Werá ressalta que dentro da diversidade de todos os povos
originários, é possível determinar elementos em comum que formam,
segundo ele, "uma base de princípios e visão de mundo”. "Destaco três
princípios: a Terra é viva e somos filhos da Terra; a nossa
ancestralidade inclui o reconhecimento de que as comunidades dos
animais, das plantas e dos minerais também fazem parte de nossa matriz
de origem; e cuidar da natureza é cuidar do futuro", explica ele.
Fonte: DW
Autor: Edison Veiga