Haia (Holanda) – Antes da “invasão” recente de investidores holandeses ao Brasil, comerciantes dos Países Baixos se estabeleceram na Região Nordeste por mais de 25 anos, no século 17. O episódio histórico, conhecido como “invasão holandesa”, deixou marcas fortes na sociedade brasileira, segundo a historiadora Virginia Almoedo, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
De acordo com os registros históricos oficiais, a invasão dos holandeses ocorreu em duas etapas. Em um primeiro momento, os estrangeiros se estabeleceram na cidade de Salvador, no ano de 1624. Em uma segunda ocasião, desta vez mais duradoura, representantes da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais ocuparam a cidade pernambucana de Olinda, seis anos mais tarde.
A permanência dos holandeses em território brasileiro durou nada menos do que 24 anos, período em que foram conquistados também outros estados do Nordeste: Alagoas, Sergipe, Rio Grande do Norte, Ceará, Paraíba e Maranhão. “Pernambuco já estava nos planos da Holanda há muito tempo por conta do açúcar”, explica Almoedo.
Na época, a recém-criada Companhia das Índias Ocidentais havia ganhado do governo da Holanda o monopólio do comércio nas Américas. Em busca de lucros com a produção açucareira e o tráfico de escravos, a empresa ocupou não só ilhas do Caribe e territórios da América do Norte, como o próprio Brasil.
Os 24 anos foram tempo suficiente para que esse povo deixasse marcas na arquitetura, cultura e no imaginário dos brasileiros, principalmente por meio de seu principal expoente, o conde João Maurício de Nassau-Siegen, que governou os territórios conquistados entre 1637 e 1644.
Virginia Almoedo destaca como principais contribuições dos holandeses a criação de um plano urbanístico para Recife, então batizada de Mauristad (ou Cidade Maurícia) e o legado científico-cultural. “Pernambuco ainda era a capitania mais próspera do Brasil em termos econômicos, mas não em termos de cultura, por conta da distância da Europa. Com Nassau, você vai ter algumas inserções da arte européia, do jardim europeu”, afirma.
No site da embaixada brasileira na Holanda, Maurício de Nassau é retratado como grande administrador público, que teria sido responsável por uma época de ouro do Nordeste. Em contraste com os interesses puramente mercantilistas da Companhia das Índias Ocidentais, Nassau teria trazido muitos cientistas, artistas e cartógrafos, além de ter implantado os primeiros jardins zoológicos e botânicos das Américas, em Recife.
A historiadora da UFPE destaca que o maior legado dos holandeses no Nordeste está na memória coletiva dos pernambucanos e não na herança material. Mesmo porque, segundo Almoedo, não há grandes construções originais holandesas que tenham permanecido até os dias de hoje.
“Há no imaginário popular do pernambucano a idéia de que tudo o que há de bom aqui foi construído pela Holanda. Os guias mirins nos confins do estado dizem que qualquer igreja ou ruína é uma construção holandesa. Já ouvi guias falarem: ‘essa é a ponte de Maurício de Nassau’. Na verdade, essa ponte não está mais lá. É apenas o local onde havia a ponte. Não há mais nada de casario ou de pontes que tenham sido preservadas”, conta a historiadora.
Para ela, ter ficado sob domínio dos holandeses, ainda que por apenas 24 anos, é motivo de orgulho para grande parte dos pernambucanos. “Os portugueses estiveram aqui presentes por 300 anos. Os holandeses apenas por 24 anos. Mas, no imaginário, é muito mais forte a contribuição holandesa do que a portuguesa na cultura pernambucana, principalmente nas camadas mais populares”, diz.
Outro marco importante da história do país que remonta à invasão holandesa é a criação de um exército genuinamente brasileiro. Na década de 1640, luso-brasileiros, negros, índios e mestiços se juntaram para lutar contra a dominação estrangeira, que depois do período conciliatório de Nassau voltou a incomodar os nordestinos.
A primeira Batalha dos Guararapes, em 1648, é considerada um dos marcos do processo de expulsão dos holandeses, que só se consolidaria em 1654. A data desta batalha, 19 de abril, é hoje comemorada como o Dia do Exército. As próprias Forças Armadas consideram esse grupo de pernambucanos o primeiro Exército do Brasil. “Os pernambucanos foram efetivamente os grandes heróis desta restauração da Capitania de Pernambuco ao poder luso”, afirma a historiadora.
Mas a expulsão dos holandeses do Nordeste, em 1654, não foi o ponto final. A recuperação total da soberania portuguesa sobre a região só seria conseguida anos depois, com o pagamento de uma indenização à Companhia das Índias Ocidentais.
Fonte: O Brasileirinho
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