Interior de uma casa na TI Parakanã. Foto: Antônio Carlos Magalhães, 1975 |
Os Parakanã são habitantes tradicionais do interflúvio Pacajá-Tocantins. Falam uma língua tupi-guarani pertencente ao mesmo subconjunto do Tapirapé, Avá (Canoeiro), Asurini e Suruí do Tocantins, Guajajara e Tembé. São tipicamente índios de terra firme, não canoeiros, e exímios caçadores de mamíferos terrestres. Praticam uma horticultura de coivara pouco diversificada, tendo como cultivar básico a mandioca amarga. Dividem-se em dois grandes blocos populacionais, Oriental e Ocidental, que se originaram de uma cisão ocorrida em finais do século XIX. Os orientais foram reduzidos à administração estatal em 1971, durante a construção da Transamazônica; os grupos ocidentais foram contatados em diversos episódios e localidades entre 1976 e 1984.
O termo 'parakanã' não corresponde a uma autodenominação. Os Parakanã se dizem awaeté, 'gente (humanos) de verdade', em oposição a akwawa, categoria genérica para estrangeiros. Segundo Nimuendaju (1948a), o termo pelo qual são conhecidos entrou no léxico indigenista no início do século XX por meio dos Arara-Pariri, grupo de língua karib que teria sido obrigado a abandonar seu território no alto rio Iriuaná, afluente de margem esquerda do rio Pacajá, em virtude de repetidos ataques de um grupo a quem denominava por esse termo. Parakanã, desde então, passou a designar uma "tribo desconhecida de índios selvagens" habitando as cabeceiras dos afluentes da margem esquerda do Tocantins. Outras denominações, entretanto, são reconhecidas e atribuídas aos Parakanã. Os Xikrin do Bacajá os nomeiam de Akokakore, enquanto os Araweté os identificam como Auim, ou seja: inimigo, e ainda Iriwä pepa yã (senhores das penas de urubu), ou, mais pejorativo, Iriwa ã (comedores de penas de urubu).
Teriam sido avistados pela primeira vez em 1910 no rio Pacajá, acima da cidade de Portel, e identificados como os índios que, na década de 1920, surgiam entre a cidade de Alcobaça e o baixo curso do rio Pucuruí para saquear colonos e trabalhadores da Estrada de Ferro do Tocantins. Foi no início do século XX, portanto, que começaram a aparecer as primeiras informações sobre índios que viriam a ser conhecidos como Parakanã; designação que, então, incluía os Asurini, grupo de mesma língua que também pilhava moradores na região. A partir da década de 1970, os Ocidentais ultrapassaram o limite oeste desse território, vindo a habitar a região das cabeceiras do rio Bacajá e Bom Jardim, afluentes do médio curso do rio Xingu.
A cisão: ocidentais e orientais
Um conflito em torno da posse de uma das mulheres raptadas levou os Parakanã a dividirem-se em dois grandes ramos. O conflito eclodiu nos anos 1890, durante uma expedição para procurar inimigos na margem esquerda do rio Pucuruí, deixando um saldo de dois mortos. Após esse evento, formaram-se dois blocos distintos: os Orientais assentaram-se no alto curso dos rios Pucuruí, Bacuri e rio da Direita; enquanto os Ocidentais rumaram para noroeste, estabelecendo-se, provavelmente, entre os rios Jacaré e Pacajazinho-Arataú (formadores de margem direita do Pacajá). Não é fácil determinar a localização precisa destes últimos, pois, ao contrário dos primeiros, nenhuma de suas aldeias atuais se situa no território que ocuparam entre o final do século XIX e os anos 1960. Logo após o conflito, os Ocidentais voltaram a buscar contato com seus parentes, primeiro pacificamente, mas depois matando mais um homem adulto nas proximidades da aldeia. A cisão tornou-se, então, irreversível.
Os Ocidentais expandiram os períodos de suas andanças pelo interior da floresta, abandonaram progressivamente a horticultura, intensificaram a atividade guerreira e os contatos com a população regional. Já os Orientais, que se mantiveram coesos até o contato definitivo em 1971, adotaram um padrão mais sedentário, mais retraído em relação ao exterior, com uma postura mais defensiva do que ofensiva, e um certo grau de centralização política.
Os dois blocos diferenciavam-se não apenas nas estratégias de subsistência, mas também nos mecanismos sociológicos de produção e reprodução do grupo: de um lado os Ocidentais com abertura para guerra, descentralização política, morfologia social não diferenciada, poligamia generalizada; de outro os Orientais com isolamento, centralização, morfologia dualista, poligamia restrita. Enquanto os Ocidentais ampliavam sua zona de atuação, desferindo seguidos ataques contra novos inimigos, raptando várias mulheres e tomando bens, os Orientais isolavam-se e defendiam-se das intrusões em seu território.
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